sábado, 8 de novembro de 2008

estórias de vida

No mesmo dia em que fotografei árvores despidas, folhas de cores outonais e as nuvens que estavam prestes a desfazer-se em chuva uma voz nervosa de mulher tolheu-me os membros.

É sempre a tragégia que nos faz parar. No melhor dos cenários porque não é connosco e serve para nos relembrar que somos uns sortudos.
De entre um grupo de 15 vidinhas complicadas aventurou-se esta, logo assim nos primeiros dias, aos tropeções, a deitar tudo cá para fora. "Que eu tomo comprimidos para dormir, e para acordar e para aqui estar e para tudo...- Que eu já estive louca, sabe o que é? Louca, internada. E agora que estou um bocadinho menos louca para aqui ando encharcada nos comprimidos"
Eu e os restantes de olhos e ouvidos postos nela. Os pelos da nuca a eriçarem-se-me
"-olhe que o meu pai morreu e a minha mãe matou-se logo de seguida...." mais a irmã e o cunhado que se ficaram num acidente estúpido, como todos os acidentes, e uma criança de 4 anos que sobrevive, ainda, em estado vegetativo...

o corpo a doer-me, a contorcer-se numa náusea violenta. a estória da criança a martelar-me as têmporas enquanto me chegavam ecos do resto da trajédia que acometeu aquela mulher.
arenguei qualquer coisa quando senti os outros a remexerem-se nas cadeiras na tentativa de sacudirem o desconforto, - que todos temos os nossos dias e que precisamos de saber que podemos contar com o ouvido dos colegas enquanto ali estivermos. nem que seja só isso. que hoje sou eu e manhã és tu...

e ela, coitada, tolhida no seu desvario de dor, farejando uma migalha da nossa atenção, a agarrando-se a ela com dentes e lágrimas a querer continuar.
Tive que lhe pontuar o final. Mas passados estes dias todos ainda o corpo não se me descontraiu.

3 comentários:

Rita Camões disse...

Até fiquei com um nó na garganta, é pena mas essa é a realidade de tantas pessoas, não digo a das mortes, mas o "encharcamento" em comprimidos, as depressões, os esgotamentos, enfim secalhar ao ver e ouvir certas coisas, ficamos um bocadinho mais rijas e também mais agradecidas pela vida que temos.

Bjkas para ti e para o cachopinho

Anónimo disse...

Os relatos de vida servem para isso... para tomarmos consciência do estado da humanidade... para a partir da experiência vivida podermos reflectir...e nos empenharmos numa mudança possivel.
Parabéns por saberes ouvir! (dito a partir da experiência vivida) Bjs. Maria das Dores

Anónimo disse...

ler todo o blog, muito bom