segunda-feira, 19 de maio de 2014

sem opção à vista


há dias assim, tudo o que é preciso fazer é cerrar os dentes, levantar a cabeça e continuar a caminhada.o turbilhão tenderá a desaparecer, eventualmente mais depressa do que podemos supor. só é preciso resistir por um bocadinho.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

virtualidades

Quanto mais fácil é escancarar o dia-a-dia, por a alma e o pensamento a secar nas cordas da rede social, à espera do olho guloso do outro, mais depressa fecho a porta. Não é que não me sirva, a dita, alguns propósitos bem intencionados, mas nunca me substituirá um amigo, um encontro, uma dose dura e exigente de realidade.
É certo que consigo chegar, em poucos segundos ao outro lado do mundo, ao norte do país, ou às fotografias fantásticas dos cavalos e dos lobos que adoro. O que, convenhamos, não é coisa que se possa ignorar.

maio escreve-se com ervilhas de cheiro e cravinas

um perfume suave mas persistente. a explosão de cor. o casamento perfeito e informal entre as ervilhas de cheiro, as cravinas e a alfazema.






olhar para o outro lado por entre as flores desta jovem árvore. os miúdos querem uma só deles. é uma ideia fantástica. tem que ser especial a árvore que vai ser só do João e da Beatriz. vamos pendurar-lhe casinhas de pássaros pintadas por eles. e vamos vê-los crescer juntos.





No ano em que cheguei aos 40 as rosas recompensaram-me os cuidados, a paciência e a espera. Não sei se será um prenuncio.






domingo, 30 de março de 2014

desistir? nunca na vida!

Apresentou-se-me hesitante, a escolher as palavras, cautelosa, numa primeira impressão que está longe, muito longe, de fazer justiça a esta magnifica mulher que tive a honra de conhecer.
Descobri-a pouco a pouco, ao longo dos dias, se calhar só no exacto ritmo com que ela escolheu desvendar-se. Diz-se que depois dos 40 as mulheres mandam na vida delas. E antes não?
Depois percebo-a: a vida pulsa-lhe em todos os poros, em cada sorriso, em cada amabilidade que escolhe como forma de estar.
Foi mãe muito cedo, habituou-se a dormir pouco, a trabalhar muito, a estudar nos intervalos que o quotidiano lhe proporcionou. Primeiro o ensino secundário no recorrente, à noite, começado numa turma gigante de gente jovem, alheada, dispersa. Resistiu  e concluiu com mais dois.
Depois o superior, à noite, com a rotina dos dias a pesar-lhe nos ombros e nos olhos, as poucas horas de sono a tornar hercúleas as tarefas mais simples.
Não se pode ignorar uma força assim, uma alma grandiosa, tenaz e capaz dos maiores sacrifícios em nome do amor: aos outros e por si.
Disse-me que os filhos não gostam, nunca gostaram da escola. Não percebe porquê, ela que fez tudo o que podia e não podia para chegar tão longe quanto possível. Faz um sacrifício enorme para os ajudar, pelo menos no cumprimento da escolaridade obrigatória. Depois acabou, diz que não os chateará mais. Deposita esperanças no mais novo, uma criança prendada, a cumprir os primeiros anos de escolaridade, cooperante, fácil e animado.
Nem uma réstia de critica nesta conversa, apenas uma constatação resignada de quem se habituou a respeitar os filhos como são. Ela porém não se acomoda, não se deixa vencer pelas dores que lhe comem o corpo, nem pelas dificuldades de uma vida diária para gerir.

segunda-feira, 3 de março de 2014

à espera da primavera


alguns narcisos venceram as dificuldades e aí estão, no meu canteiro, pintando de amarelo a modorra deste inverno que se prolonga  há demasiado tempo.
as tulipas estão atrasadíssimas mas as frésias já começaram a florir. primeiro as brancas, as amarelas e as vermelhas que nos brindarão mais tarde, com a sua beleza.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

raras

28 de Fevereiro é o Dia das Doenças Raras.

Como em tudo, a existência de um dia dedicado ao assunto não altera em nada a vida das pessoas que vivem com doenças raras e/ou raríssimas mas pode ser que ajude a sensibilizar os que nunca tiveram que se preocupar com tal coisa. Pode ser, sejamos positivos.

Em todo o caso vale a pena lembrar que a normalidade é apenas aquilo com que nos habituamos a viver. Não há apenas uma ou duas. Ao nosso lado existem milhares de mundos, de vivências e de contingencias a viver o seu dia-a-dia. Ainda bem!
Conhecer esses mundos, viver num deles obriga-nos a estar mais atentos aos outros, a alegrarmo-nos com as alegrias e as conquistas dos outros e a entristecer profundamente com as suas dificuldades, a sua morte.
Quando é que pude imaginar que sofreria porque uma criança de 5 anos morreu, muito longe de mim, mas com a mesma rara que tenho em casa?  Ou que me alegraria porque um outro recuperou e outro tem um sorriso lindo e gosta tanto de cavalos?
Afinal a normalidade é apenas o nosso dia-a-dia.





quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

terapia


 
Vamos ver se me inspiro nestas imagens de hortas/jardins e se consigo fazer alguma coisa da grande confusão que é o meu projecto de horta.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

o lugar dos livros




que inspiração para a organização do espaço interior. notas para um futuro próximo.

o resumo dos dias

Calças de ganga com buracos, a cair pelo rabo abaixo e usadas com saltos altos em corpos magros e cabeçudos é para mim uma imagem da falta de estética e de individualidade dos nossos dias. Haverá coisa mais feia?
(well, ...)

A receitinha que leva sementes e bagas (já não há nada que não leve estas inovações gastronómicas) como se já ninguém soubesse cozinhar, nem ser feliz e saudável sem usar estes venenos no seu dia-a-dia. Já se lembraram que a maioria das sementes concentram quantidades brutais de químicos e de toda a porcaria com que trataram as plantas? Já se perguntaram de onde vêm esses pequenos milagres de saúde e beleza?
Não é que eu não goste de um pãozinho com sementes, ou de adicionar uns mirtilos a um iogurte mas daí a convencer-me que, se não comer isto todos os dias e em substituição do que sempre me habituei a comer, não serei gira e saudável e mimimi aos 50 vai um mundo.

Por  estes dias vejo pouca televisão mas não deixo de ouvir todo o mundo a falar das praxes e das atrocidades que se cometem no aconchego desse mundo fechado que é instituição académica (universidade ou politécnico; publica ou privada, velha ou nova, tanto faz). Haverá mesmo assim tanto para elaborar? Criminalize-se já este tipo de abuso sobre outros incautos e indefesos e está o assunto resolvido. Ai espera aí, não há coragem para enfrentar a tradição instalada (tradição inventada à medida dos abusadores mas pronto serve tudo...)


sábado, 25 de janeiro de 2014

as tropelias dos senhoritos do CDS

 Anda por aí uma gentinha a dizer alarvidades como se de uma revelação se tratasse. Sobre uma delas (a diminuição da escolaridade obrigatória, Pacheco Pereira já lhes chegou a roupa ao pelo: uma escravatura civilizada. E bem.

O chorrilho de disparates que sai daquelas mentes inaptas deveria ser julgado criminalmente e o mal que estão a causar a tantos portugueses devidamente ressarcido.

o tempo do tudo ou nada

e assim chegamos ao tempo em que só há dois lados: ou és uma destas pessoas cuja vida se mudou para a realidade virtual ou estás do outro lado da barricada recusando utilizar qualquer uma dessas tecnologias invasivas e dominadoras que agora pululam por todo o lado.
De um lado os que se desnudam nas redes, nos blogues, nos emails, os que encaixam o dia-a-dia entre teclas, bites e gostos.
Do outro os que recusam essa mesma realidade com medo de perderem a sua liberdade e campo de manobra.
Entre uns e outros não há espaço para meios-termos como se não fosse possível outra forma de estar que não implique a total adesão ou a recusa definitiva.
Há quem profetize que a intimidade acabou e quem nunca se tenha sentido tão acompanhado nesta aldeia em que vivemos todos.
Enfim...de uma forma ou de outra é bem provável que nunca tenhamos tido tão pouca escolha como agora.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

como a minha mãe

Nem ouvi bem o inicio da conversa porque estava completamente concentrada no vermelho luminoso do casaco CH que ela trazia. Há qualquer coisa nesta cor que me atrai.
A dada altura ouvi-a falar da mãe e prestei-lhe atenção porque a mãe dela morreu há muito tempo. Acho que há tanto tempo como a minha.
Diz que agora que chegou aos quarenta, que vida lhe corre bem, está exactamente no ponto em que estava a mãe dela com a mesma idade, os filhos a chegar à adolescência, a situação económica da família remediada mas sem direito a luxos. Ora a minha amiga é uma mulher de garra, trabalha loucamente, é bem sucedida profissionalmente, tem dois miúdos amorosos daqueles que parecem saídos das revistas e até o marido é um charme. Às vezes tenho que a evitar para me impedir de a detestar por tudo lhe correr tão bem.
Ela sabe.
Suponho que é por isso que me conta este episódio rocambolesco em que a mãe dela, depois de uma discussão feia com o pai, lhe confidencia que um dia, quando ela for crescida e bem sucedida irão viver as duas. Quando esse momento chegar vai conseguir deixar o homem que a tortura com a sua personalidade dominante, violenta e provocadora.
Não percebes? Eu ainda era uma pré adolescente e disse à minha mãe para deixar o meu pai e ela, coitada, que não ganhava o seu próprio dinheiro e tinha três filhos para criar, disse-me que um dia faria isso.
Bem e em que medida é a tua vida assim tão parecida com a da tua mãe neste exacto momento?, perguntei-lhe isto para não chegarmos as duas ao momento da conversa em que nos recordamos que as nossas mães morreram num acidente violento.
E assim a minha querida e odiada amiga partilhou comigo o vazio em que a sua vida se tornou, diz-me que se sente apanhada numa armadilha que lhe traga toda a energia, qualquer réstia de individualidade e de liberdade a que possa aspirar. Conta-me que já não pode ficar com o pai dos seus filhos mas que não se imagina a priva-los de crescerem com ele, que está em piloto-automático, que a vida de todos os dias é uma sucessão interminável de tarefas que a fazem correr que nem uma doida mas apenas isso.
Desvio os olhos para o casaco. Porque diabo me lembrei da Virgínia Wolf?
Despedimo-nos com um único beijo, cabisbaixas. Aqui jaz a minha esperança na revolução doméstica.


terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Que seja um ano de realizações

um desafio (ou vários): fazer acontecer em 2014

aqui está uma ideia fantástica da Magda do Mum's the boss, um blog que gosto muito de espreitar.
para aderir, porque com companhia é mais fácil, porque é bom saber que a comunidade já é tão grande, que tanta gente partilha estes valores.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

o ano de todas as manifestaçõs

Estou a ver reportagens seguidas sobre 2013 em revisão.
Impressiona o numero e a força das manifestações ocorridas ao longo do ano. Sou solidaria com as razões que levaram milhares de portugueses à rua. Subscrevo a indignação, a revolta, sinto o mesmo sentimento de injustiça, de impotência que tantos portugueses experimentam face ao estilo político que nos foi imposto. Esta constatação diária de que é possível impor todo o tipo de iniquidades aos mais frágeis, que se pode roubar um povo enquanto se estende a mão a alguns, poucos,  com os privilégios de sempre, que a lista de malfeitores, de gente corrupta é conhecida, aniquila qualquer réstia de esperança.
Olhar para os rostos destes políticos que nos governam que se abrem em risos de escarnio, de insensibilidade enquanto anunciam medidas devastadoras é um exercício violento. Não se pode tolerar isto, não se pode estar ao lado de quem se apresenta com esta desfaçatez, falando em nome dos outros como se soubessem minimamente do que falam.
Ver as imagens dos momentos em que "Grândola vila morena" se tornou num hino de protesto é reconfortante, um orgulho. Os portugueses não são um povo manso. Não são gente de brandos costumes. É bom que se olhe para a nossa historia porque haverá muito a aprender com ela.


terça-feira, 24 de dezembro de 2013

é natal outra vez





O desalento estampado nas caras, nos ombros caídos, umas tiradas sarcásticas como quem resolveu a charada "afinal isto é tudo uma grande hipocrisia, todos a desejar Bom Natal e assim mas ninguém quer saber", o dinheiro que se acabou e com ele as prendas, as lembranças, um jantar melhor, uns mimos e umas extravagancias. Parece que passou o tempo em que o Natal era uma época especial.
Porém, a olhar para este cenário desastroso, não tenho nenhum pudor em admitir que esta é hoje, mais do que nunca, a minha época favorita do ano. E se este foi um ano difícil! E um ano especial. Um ano de sofrimento e de descobertas ternurentas. Um ano em que a doença nos entrou em casa mas dois irmãos cresceram juntos, descobriram-se, criaram cumplicidades, aprenderam uma maneira de viver juntos. Um ano de medos e de privilégios; de noites em claro e outras aconchegadas no abraço aos filhos que se nos instalam na cama e dormem um sono solto, livre.
Quando olho para  a arvore embonecada na cozinha e vejo a pequena maravilhada com as luzes, a namorar as bolas, os pais natal e os anjos, arranjando uma maneira de os levar com ela não me ocorrem dificuldades. Quando o irmão, que já é um rapazinho, alinha com ela nas brincadeiras inocentes não me atormento com doenças nem com a possibilidade da morte. O que este natal nos trouxe, mais uma vez, foi um amor que se reforça, que se confirma em cada sorriso, em cada problema por resolver, em cada etapa superada. Os nossos presentes podiam bem ser uma mãozinha que se estende e que pede bolo, uma outra que surripia um chocolate, uma vontade indomável de espreitar tudo, de tocar tudo, uma gargalhada, tudo enfeitado com papel vermelho e laços brilhantes. A esses juntamos mais alguns desses que se compram - que não há mal nenhum nesse consumismo  apaixonado e cá nos encontramos mais uma vez.
Boas Festas!

domingo, 1 de dezembro de 2013

promessas

 



vestir os pequenos de vermelho; montar a arvore de natal; descobrir que as decorações de natal são mais giras nas mãos das crianças, espalhadas pelo chão da casa, esquecidas em cima da mesa, e qualquer lugar menos na árvore de natal; deixar as restantes decorações para depois.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

"desculpem lá pais"

Esta mensagem chegou-me por email.


"Desculpem lá pais que estavam a manifestar-se à porta da escola do meu filho, às 9 horas da manhã, precisamente quando eu preciso tanto de correr. Os dias são isto, levantar cedo, preparar mochila, saco do lanche, saco da natação, dar de comer ao gato, levantar uma criança sonolenta, despachar-me, correr, correr, correr para conseguir deixa-lo na escola mesmo às 9 e seguir para o trabalho. Vida de uma mãe que trabalha muito. Não tive tempo para parar e ler os cartazes que alguns miúdos levantavam. Pelo canto do olho li a palavra terapias e professores de ensino especial, vi crianças em cadeiras de rodas mas tive que prosseguir por entre as dezenas de pessoas que iam chegando, deixar a criança e ignorar a surpresa dos manifestantes. Pensei para comigo que se trabalhassem não estariam ali. Ou podiam marcar a manifestação para as 6h que assim já não prejudicavam tanto as outras crianças. Às 9 é que não. Desculpem lá pais.
Ás 9 os pais querem largar os filhos ao portão da escola e seguir para a vida, para os empregos, para as compras, para o café, sabe-se lá. Às 9 as crianças passam o portão e deixam de nos moer a cabeça durante umas boas horas. Elas ficam bem e nós precisamos muito desse intervalo. Mesmo que não haja auxiliares para as vigiar nos intervalos, que não há, descobri agora. Elas ficam bem mesmo que uma caia e se esfole toda e ninguém lhe acuda, mesmo que outra vomite tudo e não haja por ali alguém para ajudar e para limpar como percebi agora mesmo. Às nove elas ficam bem mesmo que à hora de almoço ninguém lhes arranje uma posta de pescada de má qualidade, ninguém lhes parta a pera que ainda precisava de ficar mais umas semanas na árvore. Parece que a hora de almoço é mais a hora do circo no refeitório já que os mais novos não conseguem comer mas sabem atirar comida uns aos outros. Olha comem o lanche que os paizinhos lhes mandam. Ou então comem em casa à noite. É certo que nem todos mas o meu come. Desculpem lá pais, os vossos problemas não são os meus. O meu filho até nem tem dificuldades cognitivas, nem é surdo nem nada. Se cair levanta-se, se tiver que procurar encontra e se chorar paciência, não quero pensar nisso.
Desculpem lá pais, eu sei que as turmas estão gigantes, que os professores não podem fazer mais mas olha, é pelos tempos em que faziam de menos. Eu cá trabalho muito e também ganho uma miséria. E ninguém me dá pancadinhas nas costas.
Desculpem lá pais, que eu até sei que todas as crianças devem estar na escola. Então e não estão? Que querem vocês? O meu filho diz-me que na turma dele está para lá um menino que nunca fala, parece que nunca fala com ninguém, não brinca com os outros meninos, só risca, risca, risca. Um meu filho tem tentado falar com ele mas só leva encontrões. Eu digo-lhe para deixar de tentar. Que o deixe simplesmente. Mas a criança não me ouve. Diz que vai conseguir.
O meu menino diz que vai conseguir que o coleguinha dele lhe ligue.
Parei. Gelei.
Desculpem lá pais.
Desculpa lá filho.
Desculpem lá todos por me ter tornado nesta pessoa que não vê para além da sua vida difícil, da sua corrida diária. Eu não sou má pessoa. Apenas não tenho tempo agora."

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Em tempo de autarquicas


A quantidade de lixo que polui as nossas cidades atinge proporções pornográficas: cartazes, outdoors, desdobráveis de todo o tipo, brindes, carros com altifalantes e mais uma parafernália de quejandos que não esclarecem em nada o cidadão, não acrescentam nada mas antes indignam quem se vê em dificuldades para comprar bens de primeira necessidade como um pacote de leite, um pão ou os medicamentos de que tanto precisa.
Terão os partidos políticos, os órgãos de poder, a própria comunicação social chegado a um estado de divorcio tal com a realidade, que continuam a alimentar este monstro sem que nada lhes sacuda a consciência?
Deixaremos nós, mais uma vez, que tudo se passe exactissimamente da forma como se tem passado, sem que uma palha se levante, um grito se faça ouvir, um não redondo, claro, audível ecoe por esse país fora?

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

a leoa que ruge

todas as mulheres e todas as historias que aqui conto são reais e cruzaram a minha vida.  se as meço em palavras é porque me afectaram ainda que, na maioria das vezes, estas mulheres não me sejam próximas.
mas esta mulher leoa é como eu, é minha amiga, somos parecidas em muitas coisas mas não somos muito intimas. coisa que, lamentando, aceito naturalmente porque as contingências assim o ditam. as minhas e as dela.
numa manhã de trabalho igual a outras cruzamo-nos no corredor cheio de gente, chamou-me e disse-me muito baixinho: perdi o meu bebé. perdi o meu filho. fiquei atordoada. nunca tinha ouvido nada semelhante da boca de ninguém e ainda menos de uma pessoa de quem gosto tanto. abracei-a. perguntei-lhe o que aconteceu. comecei a chorar com ela.
nos dias que se seguiram trouxe-a no pensamento e no coração: um misto de compaixão e de medo porque houve momentos em que receei que desistisse.
foram dias à espera que o corpo resolvesse e expulsasse a vida que tinha criado. ela resolveu que não ficaria em casa e forçou-se a trabalhar dias inteiros, durante horas, em pé, em cima de saltos, a falar com uma data de gente, a expiar uma dor física e moral que eu imagino excruciante. pergunto-me se se estaria a castigar. disse-me mais do que uma vez que estava farta da vida e eu assustei-me.
o corpo não resolveu e a ajuda médica necessária foi ainda mais dolorosa.
passaram meses. eu acho que passarão anos e ela nunca recuperará. não porque não seja forte. não porque não tenha uma fibra moral inquestionável. ou porque lhe falte quem a ame muito. nada disso.
conta muitas vezes que a alma lhe saiu do corpo. eu sei que foi assim. não me parece que haja descrição mais crua e mais exacta para uma dor assim.