sexta-feira, 6 de setembro de 2013

a leoa que ruge

todas as mulheres e todas as historias que aqui conto são reais e cruzaram a minha vida.  se as meço em palavras é porque me afectaram ainda que, na maioria das vezes, estas mulheres não me sejam próximas.
mas esta mulher leoa é como eu, é minha amiga, somos parecidas em muitas coisas mas não somos muito intimas. coisa que, lamentando, aceito naturalmente porque as contingências assim o ditam. as minhas e as dela.
numa manhã de trabalho igual a outras cruzamo-nos no corredor cheio de gente, chamou-me e disse-me muito baixinho: perdi o meu bebé. perdi o meu filho. fiquei atordoada. nunca tinha ouvido nada semelhante da boca de ninguém e ainda menos de uma pessoa de quem gosto tanto. abracei-a. perguntei-lhe o que aconteceu. comecei a chorar com ela.
nos dias que se seguiram trouxe-a no pensamento e no coração: um misto de compaixão e de medo porque houve momentos em que receei que desistisse.
foram dias à espera que o corpo resolvesse e expulsasse a vida que tinha criado. ela resolveu que não ficaria em casa e forçou-se a trabalhar dias inteiros, durante horas, em pé, em cima de saltos, a falar com uma data de gente, a expiar uma dor física e moral que eu imagino excruciante. pergunto-me se se estaria a castigar. disse-me mais do que uma vez que estava farta da vida e eu assustei-me.
o corpo não resolveu e a ajuda médica necessária foi ainda mais dolorosa.
passaram meses. eu acho que passarão anos e ela nunca recuperará. não porque não seja forte. não porque não tenha uma fibra moral inquestionável. ou porque lhe falte quem a ame muito. nada disso.
conta muitas vezes que a alma lhe saiu do corpo. eu sei que foi assim. não me parece que haja descrição mais crua e mais exacta para uma dor assim.

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