quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

como a minha mãe

Nem ouvi bem o inicio da conversa porque estava completamente concentrada no vermelho luminoso do casaco CH que ela trazia. Há qualquer coisa nesta cor que me atrai.
A dada altura ouvi-a falar da mãe e prestei-lhe atenção porque a mãe dela morreu há muito tempo. Acho que há tanto tempo como a minha.
Diz que agora que chegou aos quarenta, que vida lhe corre bem, está exactamente no ponto em que estava a mãe dela com a mesma idade, os filhos a chegar à adolescência, a situação económica da família remediada mas sem direito a luxos. Ora a minha amiga é uma mulher de garra, trabalha loucamente, é bem sucedida profissionalmente, tem dois miúdos amorosos daqueles que parecem saídos das revistas e até o marido é um charme. Às vezes tenho que a evitar para me impedir de a detestar por tudo lhe correr tão bem.
Ela sabe.
Suponho que é por isso que me conta este episódio rocambolesco em que a mãe dela, depois de uma discussão feia com o pai, lhe confidencia que um dia, quando ela for crescida e bem sucedida irão viver as duas. Quando esse momento chegar vai conseguir deixar o homem que a tortura com a sua personalidade dominante, violenta e provocadora.
Não percebes? Eu ainda era uma pré adolescente e disse à minha mãe para deixar o meu pai e ela, coitada, que não ganhava o seu próprio dinheiro e tinha três filhos para criar, disse-me que um dia faria isso.
Bem e em que medida é a tua vida assim tão parecida com a da tua mãe neste exacto momento?, perguntei-lhe isto para não chegarmos as duas ao momento da conversa em que nos recordamos que as nossas mães morreram num acidente violento.
E assim a minha querida e odiada amiga partilhou comigo o vazio em que a sua vida se tornou, diz-me que se sente apanhada numa armadilha que lhe traga toda a energia, qualquer réstia de individualidade e de liberdade a que possa aspirar. Conta-me que já não pode ficar com o pai dos seus filhos mas que não se imagina a priva-los de crescerem com ele, que está em piloto-automático, que a vida de todos os dias é uma sucessão interminável de tarefas que a fazem correr que nem uma doida mas apenas isso.
Desvio os olhos para o casaco. Porque diabo me lembrei da Virgínia Wolf?
Despedimo-nos com um único beijo, cabisbaixas. Aqui jaz a minha esperança na revolução doméstica.


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