quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

um certo dia-a-dia

É uma voz de medo, baixa titubeante que me fala. Os olhos escuros, pequenos emoldurados de fartas sobrancelhas refugiam-se nas mãos atrapalhadas.
O corpo é o de uma menina-mulher do campo, de pele curtida e andar pesado.
- Que se casou com um brasileiro, dizem-me, alto e gordo como essa porta, há mais de seis anos. Que tem com ele uma menina.
Ele já lhe enganou os sonhos de menina com a irmã, já lhe bateu no café à frente da aldeia que não se moveu. Já lhe bateu em casa, na rua, em frente da filha e até dos pais.
Quando a aldeia a apanhou sozinha criticou-a porque não apresentou queixa na polícia. Ela, coitada, que ninguém disse nada, ninguém o impediu quando ele lhe moía o corpo. E a filha?, então não sabem que já me disse que foge e me leva a menina para o Brasil?
Algumas vozes berram-lhe que não, que ele não quer a menina para nada, ela que faça queixa para ao menos estar prevenida.

Percebo tarde de mais, que a menina mulher foi outra vez espancada, agora pelas palavras sonoras das colegas que se sentam com ela. E ficou ainda mais sozinha.

1 comentário:

Anónimo disse...

É o outro... Mas é também uma parte de nós. PORQUE TODOS SOMOS RESPONSÀVEIS POR TUDO! Sinto-me responsável por isso... sinto-me tão pequena e limitada por não conseguirmos ainda que aconteça outra coisa bem diferente dessa...