terça-feira, 15 de junho de 2010

it takes a village to raise a child

Vem este antigo provérbio africano (que Hillary Clinton tornou famoso nos idos de 90) a propósito das escolhas desastrosas que o governo de Sócrates voltou a fazer na educação. Fechar escolas com menos de 20 alunos é uma escolha. Uma escolha política que tem custos tremendos para o interior. Mais uma vez. Pode argumentar-se que é por questões económicas - eu não acredito mas isso é outra coisa.
Em relação às tretas pedagógicas que têm sido argumentadas para justificar o injustificável lá irei mas, para já, vamos ao que resta, depois de fechadas as escolas.
Imagine o sr. engenheiro e a senhora ministra da educação o seguinte cenário numa aldeia pequena, numa vila, em qualquer lugarejo onde, até há bem poucos anos, existiu uma escola: por volta da hora de saída pais, avós, uma vizinha, alguém próximo espera a criança à porta da escola. Conversa-se, percorre-se o caminho a pé, cumprimenta-se este e aquele "diz olá ao sr. António filho", entra-se na padaria "queres este bolinho?", pergunta a Dona Júlia. Mesmo quando a criança pode voltar sózinha para casa há toda uma rede social de laços e relações que asseguram a vigilância e o acompanhamento suficientes "o teu filho passou lá pelo café e dei-lhe o lanche", para que ele chegue a casa em segurança. Pode ser que a biblioteca não seja a melhor, que o quadro eléctrico da escola não suporte as ligações dos novíssimos quadros interactivos, dos computadores e do aquecimento no inverno. Pode ser ...tanta coisa. A solução é simples, tão simples não é? Às vezes bastaria um pequeno investimento mas pronto, tudo isso custa muito dinheiro, muito mais do que as empresas de transportes cobram ao ministério, certamente.
É preciso uma comunidade para criar uma criança srs. ministros, acreditem!
E não, não queremos escolas com três crianças. Mas talvez seja possível juntar crianças de lugarejos, aldeias e vilas próximas, ao invés de as carregar a todas para uma escola ou duas que, regra geral, ficam na sede de concelho, onde tudo é tão distante do que elas conhecem.

E se, mesmo assim, esta solução ficasse mais cara? Ainda assim, sr. primeiro ministro, ainda assim este investimento seria bem mais rentável para o interior, a médio e longo prazo, do que todas as medidas de incentivo às empresas e ao mundo rural que pretende pôr em prática!

Imagine-se que até nos aventuramos a criar uma empresa numa destas aldeias, a beneficiar dos tais 5 anos de isenção de contribuições para a segurança social. Imagine-se que a vidinha se vai organizando e que até se tem um filho ou dois. E que depois, nos fecham a escola onde vamos recolher a criança e nos avisam que ela terá que passar a fazer uns quantos km para ir para a escola. Todos sabemos qual é o passo seguinte: pegar na trouxa, vender a casita e procurar outra lá na cidade da escola da criança. Imagine-se! Imagine-se todo o interior metódica e sistematicamente delapidado de investimento, atenção e estratégia. E, por fim, é também a esperança e o alento que morrem.

6 comentários:

Sim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Alguns dos intervenientes, deste processo conducente à morte anunciada de inúmeras escolas rurais, argumentarão que não terão que ser as crianças a permanecer para estancar a debandada...pagando, deste modo, o preço da desertificação humana. Porém, apagar do mapa escolas, tendo por base critérios estritamente economicistas é ter da educação uma concepção, no minímo, enviesada...é privar o campo das suas crianças. É esqueçer o enorme investimento que as autarquias encetaram, há já alguns anos, para modernizar e apetrechar adequadamente essas escolas...Enfim...mais uma vez conceitos como estratégia, articulação entre diferentes níveis de poder e bom senso não são mais do que quimeras embaciadas pela cegueira da poupança absurda e, a média prazo, desatrosa.
Maria Celina Nobre

S disse...

Olá Celina, há quanto tempo? Pois é isso mesmo. Se não fosse tão dramático, tão absurdo, a gente até se ria de escárnio e programava uma tarde para beber uns copos e dizer mal desta pandilha.
O pior é ter que levar com as consequências destas decisões, todos os dias.

Anónimo disse...

Tenho que concordar com o que é dito pela Celina: não devem ser as crianças a pagar o preço da sangria no campo. Todos sabemos que as escolas das nossas aldeias têm pouca qualidade, as mais diversas carências e não podem funcionar com meia dúzia de crianças. Temos que pensar primeiro neles.
Ana

Dores Correia disse...

Sim gostei dest post!
Por isso o referi no a cinco tons. É um assunto que merece ser muito e bem discutido.

S disse...

acontece hoje, em Alvito, uma grande reunião para discutir o que vai ser posto no novo plano de marketing territorial do concelho. Beja também vai avançar - rumores! acho isto curioso porque estes concelhos vão investir uma data de dinheiro numa estratégia que não pode comunicar nada de novo, pois que nada está, realmente, a ser feito por e para estas comunidades. o marketing, claro, arranjará maneira de comunicar tudo o que for preciso e, no final, estes concelhos hão-de ter pelo menos um novo logotipo, cores renovadas e - quem sabe?! paple timbrado diferente. Seria cómico se não fosse tão dramático.
Nada me move contra as pessoas que o decidiram. a sério. custa-me só que não sejam capazes de fazer melhor.
vejamos então: que fizeram estes concelhos pelas suas escolas?, pelo seu ensino?, pelas suas crianças, pelas suas famílias? pelos seus idosos?
que fizeram REALMENTE que mereça uma estratégia nova de promoção?
porra! há dias em que apetece gritar a esta gente.